Dona Alice foi um daqueles
anjos que Deus pôs em minha infância para me ensinar o que é ser cristão de
verdade. Ensinar a humildade, a caridade, a simplicidade da vida e do amor.
Assim como meu Tio Osvaldo,
que mereceu um post ainda no facebook, quando tive que derrubar um coqueiro, que ele plantou em
nossa casa em São Gonçalo , Dona Alice também merece esse.
Católica fervorosa, do tipo
que lava e passa a batina do padre (literalmente, pode acreditar) e enfeita a
igreja com flores do seu próprio jardim, foi casada com um Macumbeiro. Olha que
coisa incrível! Uma lição de tolerância religiosa maravilhosa. E ela ajudava no
terreiro, viu? Não nas celebrações, mas na limpeza, organização e, lógico, na
roupa branca impecável de seu marido. Além disso, como era negra, foi tratada
como empregada pelo marido e família dele todo o tempo de seu casamento que,
acabou, por conta da morte do marido, de quem cuidou com muito amor e zelo. Ela
nunca se queixou e sempre, sempre guardava um certo orgulho por ter tido o
marido que teve e a vida em comum que desfrutou.Somente isso já seria
admirável.
Mas Dona Alice era muito
mais, inventiva e com poucos recursos, pintava seus cabelos com borra de vela e
mais sei lá o quê, fazendo sua própria tinta. Os cabelos estavam sempre lindos,
numa cor cinza meio prateada maravilhosa! Carne de sol curada em seu próprio
quintal, ervas para um cem números de dores e males verdejavam em seu quintal,
junto com dálias, rosas, margaridas, papoulas e, ela estava sempre pronta a
ajudar quem precisasse de seus chás doces e milagrosos ou de suas flores
coloridas e frescas. Todo dia, religiosamente às 18h, ligava o rádio para ouvir
a Ave Maria com Julio Louzada e, o copo de água infalível na frente do rádio. Casa
simples, mas muito bem arrumada com lembranças de moveis antigos lindos,
cristaleira com louças vindas da China e cristais da Bavária, misturadas à
bonecas que foram jogadas no lixo e recuperadas, muito bem vestidas por roupas
feitas por ela. No Natal, montava seu presépio na sala de casa. Cheio de
figuras de bibelôs sagrados e alguns feitos e inventados por ela mesma. Um
primor. A peregrinação da imagem de Nossa Senhora de Fátima, jamais deixou de
ter sua estadia de uma semana na casa de Dona Alice. E as novenas eram feitas
com todo o respeito e carinho de alguém ligado à fé por todos os poros.
Foi Dona Alice quem me
mostrou Deus e o Catolicismo. Fiz primeira comunhão, fui Filha de Maria,
acompanhei a via sacra um monte de vezes durante a quaresma, participei de inúmeras
procissões pelo bairro. Pelas mãos dela estava sempre presente em várias
celebrações e cultos onde ela, muito humildemente, se fazia em 10 para ajudar
no que fosse.
Era sozinha, não tinha
filhos, mas tinha uma cachorra chamada Lessie, de quem cuidava como uma filha.
Quanto bofe ensopado eu não filei da Lessie. Era tão gostoso que eu comia, não
porque precisava, mas porque era muito bom mesmooo! Fazia o angu e um molho de
cascas de legumes maravilhoso! Lessie estava sempre bem nutrida, feliz e morreu
de paixão, logo depois que Dona Alice voltou para a Luz do Nosso Senhor.
Dona Alice cuidou de mim
durante uma grande parte da minha infância para minha mãe trabalhar, por
algumas horas do dia, antes de eu ir para a escola e quando voltava. E cuidou
mesmo! Cuidou de me mostrar o quanto se pode fazer nessa vida com tão pouco, o
quanto podemos ser iguais mesmo sendo tratados como desiguais, o quanto mais do
que religião a fé é a grande chave para a vida.
E ela fazia esse chuchu com
ovos pochê dos deuses. Mesmo depois de grandona, quando ia visitar minha mãe e
ela sabia que eu ia, ela fazia e mandava lá pra casa, para minha total alegria!
Linda né?
Tento há anos fazer igual,
mas não tem jeito, o cheirinho dela, a mão dela, eu não tenho. Fica muito bom,
mesmo não sendo o dela.
Comidinha simples e barata,
mas que conforta de uma maneira impossível de dizer. Apenas sentir.
Então vamos lá (cada detalhe
é importante, eles é que vão fazer toda a diferença):
Para 3 ou 4 pessoas (eu fiz
para 3) você vai precisar de:
2 chuchus médios cortados em
lâminas (importantíssimo, tem que ser em lâminas)
2 colheres de sopa de óleo
de soja
1 dente grande de alho
socado com uma colher de chá rasa de sal (se não tiver pilão para socar, use o
espremedor ou corte em pedacinhos bem pequenos e misture o sal)
½ tomate sem sementes
cortado em lâminas grossas e a poupa retirada picadinha a parte
½ pimentão verde cortado em
cubos grandes
1 cebola pequena cortada em
lâminas grossas
1 folha grande de louro ou
duas pequenas
½ xícara de chá de salsinha
picada (opcional)
1 xícara de chá de água
fervente, aproximadamente
Opcional: ½ pimenta dedo de
moça pequena, sem sementes, picadinha ou uma boa pitada de pimenta do reino
Preparo:
- Leve uma frigideira larga
ou uma panela larga ao fogo alto, acrescente o óleo e deixe aquecer (cerca de 1
minuto).
- Junte o alho socado, mexa
bem e deixe dourar ligeiramente. Se for usar a pimenta dedo de moça, essa é a
hora de adicioná-la, logo depois que o alho dourar um pouquinho.
- Acrescente metade da
cebola e do pimentão. Mexa e junte a parte da polpa de tomate picadinha. Mexa.
- Adicione o chuchu em
lâminas, junte o louro, mexa, abaixe o fogo, acrescente metade da água
fervente, tampe e conte 5 minutos.
- Após o tempo, destampe,
mexa, prove. O chuchu deve estar ainda firme, mas já cozido. Caso ache sem sal,
ajuste.
- Aumente o fogo e
acrescente o restante da cebola, do pimentão e o tomate. Mexa e junte a outra
metade da água fervente. Mexa e abaixe o fogo novamente.
- Abra espaço nos dos cantos
da frigideira/panela e quebre cada ovo em cada canto (importante: cada canto
deve ter caldo para receber o ovo), colocando uma pitadinha de sal sobre cada
ovo e cobrindo cada um com o chuchu e temperos. Se você optou pela pitada de
pimenta do reino, essa é a hora de espalhar a generosa pitada.
Obs.: Não importa se, ao
quebrar o ovo, a gema fique intacta ou arrebentada. Lógico que a gema intacta
fica mais bonitinho né?
- Tampe a frigideira/panela
e aguarde mais 5 minutos. Se achar que tem pouco caldo, acrescente mais água.
- Destampe, verifique se os
ovos estão firmes, salpique a salsinha e sirva imediatamente.
Um arrozinho branco vai ser
suficiente.
Quando Dona Alice fazia para
mim, comia purinho, purinho mesmo.
O mais interessante é que é:
Vegetariano, de baixa caloria e sem glúten! Há 50 anos ela já sabia das coisas!
Tenho certeza que esse anjo
apenas voltou para o céu e, quem sabe um dia, retornará para cuidar, proteger e
ensinar o amor e a fé à outras crianças daqui da Terra, se é que já não voltou,
né?
Dona Alice, muita saudade de
você, mas pode ter certeza que suas atitudes deixaram em mim sua marca de
bondade, fé e amor!
Ele fica assim: gostoooosooooo! |
Nossa Vovó não dispensa um feijãozinho, então o prato dela ficou assim! |
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